No início do século XX, o Barão do Rio Branco reflete com outros intelectuais sobre a identidade nacional, a educação e os desafios diplomáticos do Brasil.
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Caderno de notas do Barão do Rio Branco e outros intelectuais: Ruy Barbosa, Gastão de Cunha, Afonso Pena e outros.
- 246 páginas manuscritas.
- Em português.
- 16.5 cm x 22 cm x 2.5 cm.
- Entre 1905 e 1909.
- Sem informações sobre a localização, provavelmente Petrópolis.
- Bom estado de conservação.
- Peça única.
Durante o período em que foi Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Barão do Rio Branco realizava diversas reuniões com outros intelectuais, nas quais tudo era anotado em cadernos, abordando os mais variados assuntos.
Sabe-se que participavam dessas reuniões o próprio Barão — que as organizava e conduzia — além de figuras como Gastão da Cunha, Ruy Barbosa, Afonso Pena, entre outros. Isso explica as diferentes caligrafias presentes no caderno: é preciso imaginar o Barão animando esses encontros, enquanto as anotações eram feitas por diferentes participantes, inclusive ele, conforme a ocasião.
Muitas páginas parecem ter sido escritas pelo próprio Barão, mas o caderno ainda pode ser estudado com mais profundidade, especialmente no que diz respeito à autoria de cada trecho. Optei, no entanto, por me concentrar nos conteúdos, que são extremamente ricos e refletem amplos trabalhos em torno da diplomacia, da história e do direito internacional, especialmente no contexto da formação e consolidação das fronteiras do Brasil.
Um aspecto significativo dessas anotações diz respeito à educação e ao ensino público no Brasil. O Barão do Rio Branco aborda a estrutura do ensino secundário e universitário, incluindo discussões sobre a criação de um "Colégio Nacional" e os estudos preparatórios para a universidade. Ele também explora o acesso à educação, a “liberdade de ensino” e a influência da cultura sobre o ensino público, considerando ainda reformas educacionais inspiradas em modelos estrangeiros, como a “reforma prussiana”.
O caderno revela uma preocupação constante com a identidade nacional e a política interna do Brasil. O Barão do Rio Branco explora o “caráter nacional” e a “existência da nacionalidade” brasileira. Ele também faz referência a reformas sociais e políticas, bem como a eventos históricos-chave, demonstrando interesse na construção do Estado brasileiro e de suas instituições, como o “Tribunal Permanente Brasileiro”.
Um tema central é a gestão dos conflitos e tensões fronteiriças do Brasil com seus vizinhos sul-americanos. O caderno documenta em detalhe incidentes militares e discussões diplomáticas. Há menção a incursões armadas e à necessidade de defesa do território. As anotações revelam a complexidade dos desafios enfrentados pelo Barão do Rio Branco para defender os interesses brasileiros ao mesmo tempo em que buscava evitar guerras abertas.
Dezenas de páginas concentram-se especificamente nas disputas de fronteira entre o Brasil e o Peru. O Barão do Rio Branco detalha os confrontos nas regiões do Alto Purus e de Chandless, os bloqueios e as prisões. Ele justifica as ações brasileiras como medidas legítimas de defesa contra os “invasores peruanos” (frequentemente "caucheros" e destacamentos armados), ao mesmo tempo em que insiste no respeito à propriedade privada mesmo em tempos de conflito.
A questão do Acre, território disputado com a Bolívia, é objeto de uma análise aprofundada. O Barão do Rio Branco relata os acontecimentos militares, em especial as ações de Plácido de Castro e a tomada de Puerto Alonso. Ele examina os argumentos territoriais de ambos os países, os tratados existentes e as implicações econômicas ligadas às receitas alfandegárias do Acre, demonstrando a importância estratégica e econômica dessa região para o Brasil.
O direito internacional e a diplomacia são pilares de seu trabalho, como evidenciam as discussões aprofundadas sobre soberania, neutralidade, arbitragem e responsabilidade dos Estados. O Barão do Rio Branco analisa as definições legais do poder de transigir e de firmar compromissos, as condições da “necessidade militar” e as regras que regem os rios internacionais. Ele insiste na importância da “justiça e equidade” na resolução de litígios e cita doutrinas jurídicas (como a de Calvo) e precedentes de tribunais arbitrais.
A presença de uma “Bibliographia” final, citando juristas renomados como Westlake, Contazzi e Pradier Faderé, mostra a profundidade de suas pesquisas e a base acadêmica sobre a qual construiu seus argumentos diplomáticos para defender os interesses do Brasil.
O conjunto é de leitura difícil, mas de grande interesse intelectual e de enorme importância histórica.