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Carta manuscrita de Carlos Gomes (1885)

Carta manuscrita de Carlos Gomes (1885)

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"Essa manhã encontrei todas as teclas do piano no chão. Que coisa? Como foi?"

  • Carta manuscrita de Carlos Gomes para Vincenzo Appiani.
  • Uma folha, frente e verso, 4 páginas e o envelope.
  • Em italiano.
  • 13.6 cm x 21.2 cm.
  • 18 de fevereiro 1885, em Magianegh (Itália).
  • Excelente estado de conservação.
  • Peça única.

Tradução aproximativa do italiano para o português

Meu caríssimo Vincenzo,

Tinha a sua ( ) junto com outra de sua gentilíssima companheira.

Recebi também l'ARCOLAIO do mestre Carlo Fummagalli, e estou pedindo à senhora Elvira que me presenteie aquele par. Porque desejo mostrar à senhorita Raggi, de quem eu escondi a verdade, ou seja, a existência daquela música dedicada à ela, assim ela fez no momento em que eu perguntava se a poesia de Marenca já havia sido musicalizada.

Não posso entender a razão pela qual a senhorita Raggi me mostrou aquela poesia já dedicada a ela e musicalizada! Agora me sinto na obrigação de pedir desculpas a M C Fumagalli, mas não sei onde encontrá-lo. Você sabe onde mora meu rival ARCOLAIESCO? Não acredito que ele seja parente de Adolfo, ao menos julgando por sua roca.

Agora me sinto significativamente melhor do reumatismo, mas com o tempo assim não me a arrisco a ir nem a Milão. Espero o mês em que o sol aparece para fazer o mesmo que um lagarto.

Essa manhã encontrei todas as teclas do piano no chão. Que coisa? Como foi? Não me lembro mais que de ontem, quando se desligou o relógio, e decidi esquentar-me ao piano. Tentando vencer o famoso bilboquê e...punft...punft… perdi a paciência e fui almoçar praguejando o frio. Digo “o frio” porque quase me convence que a razão que me impede de conseguir não me equivocar com as teclas é o próprio frio. Tenho muita esperança para esse verão! Assim que, de momento não tenho sido atacado nem amarrado pelo frio! Oh o frio! Se o sol não sair logo, vou buscá-lo em Pernambuco e trarei pra você um pedacinho engarrafado.

Mimardi mandou-me ontem, aqui, a prova de impressão daquela câmara, razão pela qual espero tê-la pronto. Corro o perigo de que esse ano eu não consiga ir ao Brasil e que “O Escravo” seja apresentado na Itália antes que em sua terra natal. Adeus por hoje, um aperto de mãos para vocês, esposa e amigo. Um beijo de feliz aniversário para Emilietta.

Sempre seu amigo verdadeiro,

Gomes

Carlos Gomes (1836 - 1896) é considerado por muitos o maior compositor de ópera brasileiro. O gênio de temperamento instável conquistou a Europa sem deixar de lado as temáticas de sua nação, tratando do indigenismo à abolição da escravatura em suas obras.

Nascido em 1836 em uma família humilde na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, a música entrou cedo na vida de Gomes. Ainda jovem, ele perdeu a mãe, e logo começou a trabalhar com seus irmãos na Banda Musical de Campinas, criação de seu pai para sustentar a família. Mas aquilo que era um meio de sobrevivência se tornaria o primeiro passo para a entrada do jovem Carlos no mundo da música, e em pouco tempo ele estava executando bailes, concertos e missas.

Não demorou a que sua fama chegasse ao Rio de Janeiro onde o músico teve a oportunidade de se apresentar para a família real, acontecimento que transformaria sua vida. Em 1863, Carlos Gomes partia para a Europa para estudar no Conservatório de Milão com as recomendações da imperatriz, Dona Tereza Cristina.

E assim, o compositor brasileiro ganhou o mundo, tornando-se conhecido por suas grandes obras, mas também por seu temperamento irritadiço, como é possível notar na carta escrita por ele a Vincenzo Appiani, famoso pianista e compositor italiano.

A instigante carta provoca inúmeras indagações. Quem era, por exemplo, Carlo Fummagalli rival do qual Gomes fala com tanto furor? O nome de seu execrado inimigo não entrou para história, assim que, de certa forma, Carlos Gomes venceu, mas não deixa de ser intrigante imaginar o que teria feito tal homem para despertar a ira do compositor.

Em sua missiva, Gomes revela também detalhes preciosos de seu processo criativo inundado de seu temperamento tormentoso, será que as teclas do piano encontradas no chão foram quebradas por ele mesmo? Imaginá-lo em uma em uma fria noite de inverno compondo óperas e rompendo instrumentos é um manjar para a fantasia.

O inverno não era a estação favorita do compositor paulista, que tantas saudades sentia do sol que desejava buscá-lo em Pernambuco e levá-lo engarrafado ao Velho Continente. Mas o desejo de viajar a seu país não tinha como único intuito buscar o calor tropical. Gomes desejava apresentar sua nova ópera “O escravo” no Brasil antes de mostrá-la na Itália, devido à sua ligação intrínseca à história brasileira.

A famosa obra de Carlos Gomes teve sua estréia circundada por controvérsias, como por exemplo o fato de que “o escravo” protagonista passou de um homem negro a um indígena para não chocar a audiência do século 19. Finalmente, essa grande obra foi apresentada no Brasil, no ano de 1889, meses antes da proclamação da república, coroando os ares de mudança que sopravam no país.

Compositor, artista, brasileiro, Carlos Gomes sintetizou muitas das questões que borbulhavam pelo Brasil na efervescente época em que ele viveu. Suas obras são um retrato de nação e seu legado ainda hoje, depois de quase 2 séculos, continua sendo atual e provocando reflexões. Suas cartas raramente aparecem no mercado.

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